26.12.06

005 adolescência














Três estudos para figuras na base de uma crucificação - Primeira figura (1944), Bacon


Observais-me, mas estou demasiado encerrado no meu corpo para vos ligar peva. E, paradoxalmente, talvez me encontre assim devido a vossos olhos. Sou um ser exposto, completamente exposto na sua fragilidade sobre uma mesa; um ser sem pernas suas para escapar a vosso olhar esvaziante. Sou adolescente e escondo-me - é o máximo que posso fazer - por detrás da minha guedelha.

A vergonha é o princípio do que sou. O meu estado actual, porém, é outra coisa. Não possuo boca, e isso é o mutismo absoluto - e o mutismo é o supremo suplício para quem é essencialmente grito.

Sou também uma contorção em desequilíbrio, um torso prestes a afocinhar desamparado. Vejo a vertigem que me separa, angustiosamente, do piso laranja. Nada, nem ninguém, pode curar este medo da queda iminente de se cair no que se não é. Porque eu nada sou: a não ser imobilidade e contorção. Sem boca e sem membros não posso fugir nem procurar - a minha única linguagem é o novelo de carne fria que sou.

Chamem-me o autocrucificado - e pensem que os pregos são a blusa que me evolve, a blusa de minha mãe.