10.12.06

002 defeitos da natureza

A horta (1879), Camille Pissarro

Pois, porque nós praticamente não existimos. Repare que, já nessa época, nossas vidas em nada se destacavam do nosso trabalho. Eu era velha, minha irmã deixara de ser nova e nosso irmão cumpria, mas não dava nas vistas. Cumpríamos, aliás, os três, um destino de cor, perfeitamente integrados na horta e na tela. Tivéramos paixões, mas o corpo fora adormecendo - quando monsieur Pissarro chegou, nada havia a conversar ou a defender: que nos pintasse.

No fim, mostrou-nos o resultado, e tudo nos pareceu conforme. Eu estivera de costas, o nosso irmão permanecera ao fundo, quase escondido, o rosto da minha irmã pouco visível - íamos dizer ao homem que ele não sabia pintar? E, sim, aquela era a nossa horta. Pelo menos, a minha. Provavelmente, o pobre pintor era míope, como eu. Censurá-lo por uma deficiência da natureza?